quarta-feira, 4 de outubro de 2017

“Monsier & Madame Adelman”- O Amor Se Avizinhando da Tirania



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Sarah (Doria Tillier) e Victor (Nicolas Bedos) estiveram juntos por 45 anos. No funeral dele, Sarah é abordada por um jornalista que deseja contar a história de seu marido, um renomado escritor, a partir do olhar da mulher que sempre o acompanhou. A partir de então, ela passa a contar as minúcias do relacionamento que tiveram, incluindo segredos bastante íntimos-  1
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“Monsier & Madame Adelman- ” (2017) de Nicolas Bedos conquistou o público carioca. Está em cartaz desde 20 de junho de 2017.  É um caso em que o boca a boca desempenha um grande papel na carreira de um filme. E ele merece.

  ( Continua embaixo, à esquerda, em Mais Informações ).










Temos, em essência, uma grande história de amor de um casa,   cobrindo 45 anos de relação, do encontro dos dois numa boate de má reputação, até a morte dele.

Há um grande amor em jogo, tal que, sob o ponto de vista dela, deixa até algumas vezes a sua sexualidade em segundo plano. O amor vigora mais forte do que o desejo. Assim, depois de muitas reações onde “paga com a mesma moeda”, suporta as “infidelidades” dele, com estoicismo.
Mas para tudo tem seus limites. Como em tudo nesta comédia dramática, a separação e divórcio do casal por certo tempo, traz momentos de muitas ironias e comicidade, em meio a um drama  em que os que o vivem tentam escamotear.  

Sarah (Doria Tillier) e Victor (Nicolas Bedos) formam este casal. Os dois artistas são os roteiristas do filme. Ele dirige seu primeiro filme. Ela (aqui num trabalho excelente) faz o seu primeiro. E mesmo não tendo o mesmo tempo de tela de Doria, Nicolas tem também trabalho notável.

A química entre os atores é notável e qualquer desvio de talento poderia levar a história ao ridículo irremediável no filme todo, sem ser aqueles momentos que a história o assume, como parte do excelente roteiro.

Victor é escritor, vindo de uma família burguesa, sempre envolvido com os dilemas da criação. Mas como escreve, de modo geral, bastante apoiado em histórias que viveu (e nas que presenciou ou vive ), sua vida se tornando bastante atribulada no plano amoroso, principalmente, afeta sua produção literária, dando-lhe muitos momentos de branco criativo.  

No filme não há o menor ar de romantismo (muito pelo contrário), de pieguice, de autocomiseração e de culpas que se prolonguem.

Há várias reviravoltas (uma delas é extraordinária e surpreendente), como nos filmes que aspiram a se apoiar em excelentes roteiros. No caso aqui, filme bastante falado, é centrado no trabalho dos atores.

Há os filmes de linguagem poética que não ambicionam este status, como “Pendular” (20017) de Júlia Murat em cartaz, já comentado na postagem anterior. Não há porque criticá-los por isto. São coisas do Infinito Cinema, conforme livro homônimo do crítico Ely Azeredo.

Há quem critique o fato do filme dar pouco espaço aos filhos e seus sentimentos. Mas o foco do filme é o casal e o que pode afetá-lo, independentemente dos filhos.

Ingmar Bergman em “Cenas de Um Casamento”-2 (1973) mantém suas profundas discussões sobre os dilemas de um casal, em separação bastante conflituosa e dolorida  ( “onde temos a impressão que andou espionando nossa alma”, conforme escreveram) e esquece, propositadamente, dos filhos que o casal tem.

Não gosto nada do termo redutor “filme DR”, os que discutem relação, pois as relações amorosas e sexuais entre os seres humanos podem se dar de infinitas maneiras. 

Assim são  também  ótimos “filmes DR” :  “A Economia do Amor”- 3 (2016) de Joaquim Lafosse (aqui entra o fator econômico, pois para onde irá o marido, que investiu bastante trabalho na casa onde moram?)  e  “Meu Rei”- 4 (2016) de Maïwenn ( onde já no início sabemos que um casal se separou, mas ela por bom tempo lutou contra com  temperamento obsessivo e violento do marido, lhe deu novas chances , mas  volta o lado nefasto que ela não quer várias vezes),  como exemplos.  

Assim, desde que sob um ponto de vista ainda não abordado, não tenho nenhum problema com “filmes ditos D.R”. Neste sentido, não conheço filme tão assombroso, perturbador, forte,    profundo, com sentimentos contraditórios, um mergulho em almas combalidas como o já citado  “Cenas de Casamento”.   

Sendo um roteiro de Bergman, com direção sua e com Liv Ullmann/ Erland Josephson, no que diz respeito a um casal com estes conflitos, “Cenas de Casamento” não deve jamais ser superado. Este encontro feliz de grande talentos, não é nada fácil de se repetir.  

Claro que “Monsier & Madame Adelman” está muito longe desta obra-prima de Bergman, mas entre sua ótica original traz um forte componente de humor,  o que não comparece de forma alguma no filme do grande mestre sueco. 

Trata-se daquela comicidade em que para aqueles personagens envolvidos representa sofrimento, mas para nós, faz com que cheguemos até a risos. 

Uma sequência de Victor com seu terapeuta é bastante significativa deste procedimento.

Para Rainer Werner Fassbinder, atormentado e genial artista alemão ( o cinema, com tantos filmes realizados em uns 40 anos de vida, apenas era uma das suas várias manifestações criativas,  ´pois era dramaturgo, roteirista, diretor de teatro, ator, fazendo também filmes para televisão, como o monumental “Berlim Alexander Platz-5(1980)... enfim para ele : “O amor é a maior forma de tirania que existe”.

Eu altero esta visão de Fassbinder, partindo dela:   “O amor PODE se transformar na maior forma de tirania que existe”.

Se concentrando em filmes de Fassbinder, isto é o que acontece em “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”-6 ( 1972)  originalmente uma peça teatral, montada no Brasil com muito sucesso de público e crítica com Fernanda Montenegro, Renata Sorrah e Juliana Carneiro da Cunha, onde uma modelo arrivista explora a paixão que uma estilista passa a ter por ela, algo então novo para esta );  “Eu só Quero que Vocês me Amem”-7 (1976), onde um homem de bom coração vai à ruina em todos aspectos por se sentir obrigado a dar presentes à esposa;  “O Direito do Mais Forte é a Liberdade”-8 (1974) ( um desempregado ganha alta quantia na loteria e, apaixonado, passa a sustentar a vida burguesa do homem que ama);  “Querelle” -9 (1982) ( o Superior Seblon ( Franco Nero) é  manipulado pelo amor e desejo que sente pelo marinheiro Querelle ( Brad Davis), com este percebendo, já tendo expertise  em jogos amorosos homoeróticos perversos, este “calcanhar de Aquiles”  ).  

Mas não é isto o que ocorre com nenhuma das partes do casal Adelman. Suas vidas são perpassadas por duelos verbais, separações e reconciliações (e isto caminha em um vai e vem), fortes humilhações, maldade fetichista que é bloqueada por arrependimento na última hora, ironias dela ao pai dele ( num grande almoço familiar de fim de ano, onde Sarah infiltrada como namorada do irmão  de Victor, dispara petardos contra a vida burguesa, o que faz o patriarca deixar a mesa e mesmo assim a matriarca grita para que mantenham as  convencionais  orações, as chamadas aparências).

Não se pode falar em tirania constante que se misture ao amor,  em amargura que se estabilize, sem que o casal tenha forças para mudar. No desfecho saberemos melhor o quanto Sarah é mais forte do que pensávamos. Amor se imiscuindo com tirania significa algo praticamente sem volta. Não é, nem de longe, o que acontece com o filme em questão.

Já, além de obras de Fassbinder, há filmes que operam com força esta relação perigosa do amor com tirania, tais como “Pelos Meus Olhos”( Te Doy Mis Ojos )-10 (2008) de Icíar Bollaín;  “A Mulher do Lado”-11  (1981),  “A História de Adele H.”-12 (1975) de François Truffaut;  “Camille Claudel” -13 (1989) de Bruno Nuytten; ”Eu Sei que Vou Te Amar”-14 (1986),  “Eu Te Amo”-15 ( 1981) e “Toda Nudez Será Castigada” 16- ( 1973) de Arnaldo Jabor, dentre outros.

Há os casos em que, mais do que tirania, acaba emergindo forte tortura psicológica, com amor secando, descarnando-se. É o caso do casal que pega carona em “Morangos Silvestres”- 17 ( 1957) de Ingmar Bergman e suportados certo tempo, é expulso, ainda mais por estar junto a jovens no carro.

Ou até mesmo explicitamente física, como o já mencionado “Pelos Meus Olhos”, onde uma mulher não consegue abandonar o marido que costuma lhe agredir, mesmo que haja constatação de que esta atitude não pare, mesmo após sessões de terapia de grupo, com homens com o mesmo pendor agressivo contra suas mulheres.  

O grande diferencial e força de “Pelos Meus Olhos, vencedor de vários prêmios Goya ( filme, direção, ator, atriz, atriz coadjuvante, dentre outros) é que os personagens não são de forma alguma demonizados.  

No caso de agressão física, no Cinema Brasileiro recente, temos o em momentos impactantes  “Vidas Partidas”- 18 (2016) de Marcos Schechtman, com excelente trabalho de Domingos Montagner, como um marido que acaba espancando a mulher por esta ter sucesso profissional e ele não, dentre outros fatores que o faz se sentir humilhado, numa atitude machista incontornável.  

O pulo do gato em “Monsier & Madame Aldeman” é que se chega ao limiar da tirania, mas ou há desistência de quem quer tiranizar mesmo ou afastamento necessário, mesmo que seja temporário.

Atenção Spoilers

No desfecho com tudo que é revelado entendemos a força que Sarah teve na relação e por mais que tenha havido dissabores, melancolias e sentimentos afins, ela não se mostra de modo nenhum amargurada com o que viveu.
Pelo contrário. No seu jeito grave e sério, transparece felicidade pela vida que teve até então. Há calma e apaziguamento. 

É como se evocasse o mais do que conhecido, mesmo que seja um clichê mencionar, ”lema” de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. E grandeza de alma (e aqui nada de religioso) é o que não lhe faltou em muitos momentos críticos de sua convivência com Victor.  

O filme é dividido em capítulos como se fosse um livro, procurando trazer momentos históricos como pano de fundo: declarações de François Mitterrand etc.  Mas o foco é mesmo na relação dos protagonistas. Não há nenhuma vocação nesta grande história de vida, para simultaneamente evocar a História com força. 

Neste filme não se pode deixar de mencionar o extraordinário trabalho de maquiagem para o casal nos 45 anos de relação. 

Comparar visualmente Sarah, como narradora de tudo a um jornalista, já com certa idade avançada, Victor já doente (e depois falecido), com imagens correlatas dos dois quando namoravam, atesta e ressalta este incrível trabalho de transformações dos rostos.  

Mas não é exibicionismo técnico e sim paralelismo bastante   poético, ainda que lembremos de uma vida com poesia um tanto crua. Mas sem dúvida uma vida poética.

Ps Para os que perderem o filme no Cinema, fica a dica de que ele deve resistir bem numa tela doméstica.

2- Links Associados   

1- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-242293/ - “Monsier & Madame Adelman”- Sinopse-Trailer-Créditos- Crítica do Site- Críticas Nacionais e Estrangerias.

2- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-76232/ -“ Cenas de Um Casamento”- Sinopse- Créditos.

3- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-236567/ - “A Economia do Amor” -Sinopse-Trailer- Créditos-Crítica do site- Críticas Nacionais e Estrangeiras

4-  http://www.adorocinema.com/filmes/filme-226416/ “Meu Rei”- Sinopse-Trailer- Créditos-Crítica do site- Críticas Nacionais e Estrangeir
a
5- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-6111/ “Berlim Alexanderplatz” – Sinopse– Crédito


6-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-224/ - “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”- Sinopse-Créditos

“Eu só quero que você me amem” – Sinopse- Créditos

7 https://filmow.com/eu-so-quero-que-voces-me-amem-t46608/ - “Eu só quero que vocês me amem”- Sinopse

8- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-4201/  “O Direito do Mais Forte é a Liberdade”- Sinopse- Créditos

9-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-856/ - “Querelle”- Sinopse- Trailer-Créditos

10- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-55771/-“Pelos Meus Olhos”- Sinopse- Créditos

11- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-29706/ - “A Mulher do Lado”- Sinopse-Créditos

12- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-29709/- “A História de Adèle H.” -Sinopse-Créditos

13- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-4288/ - “Camille Claudel”- Sinopse-Créditos

14- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-193123/- “Eu Sei Que Vou Te Amar”- Sinopse- Créditos

15- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-39824/ - “Eu Te Amo”- Sinopse-Trailer

16- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-319/- “Toda Nudez Será Castigada” -Sinopse-Créditos

“Morangos Silvestres” – Sinopse-Trailer-Crédito-Criticas

18- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244035/- “Vidas Partidas”- Sinopse- Trailer-Créditos-Críticas














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